28 de set. de 2007

"A ReDescoberta da Poesia: Paulo de Carvalho e seu Cantabile"





"Labouré Lima,
Estou enviando a crítica na íntegra.
Saudações literárias.
Abraços
Paulo de Carvalho"


A ReDescoberta da Poesia: Paulo de Carvalho e seu Cantabile
Fabio Ulanin*

Os gregos tinham duas palavras para se referir à criação: techné e poiésis. A primeira relacionava-se às artes práticas — o fazer técnico, utilitário, voltado para os afazeres domésticos ou comerciais; o segundo — a Poiésis — ia mais além: revelava a criação maior, aquela que, no Íon de Platão, era reservada ao aedo, o poeta que, iluminado (ou tomado) pelos deuses, revelava o saber maior, mais antigo, intenso, da existência humana. Não por acaso que, na Odisséia, Homero deixa, logo em seus primeiros versos, a palavra narrativa para a Musa. Ao invés de pedir para o Alto o direito de narrar “a Ira de Aquiles” (como na Ilíada), entrega à própria palavra-poética as aventuras do regresso do herói Odysseus. Entre o curvar-se à Musa (aquela Calíope que detém o herói em suas sedutoras mãos:

“Diáfanos se faziam os séculos
ao afã da poesia e seus poetas.
Tênue translúcido despertar
— Enuncio lavradio da paixão.
Urgia a mais bela mulher.”)


e o deixar que a palavra se revele, há um abismo imenso, intenso e único. O que esperamos, então?
Esperamos apenas que a Poiésis possa revelar-se, íntima e intensa, como se fosse nossa esperança. Há, enfim, o Canto – e este Cantabile de Paulo de Carvalho é um encontro com os sons e nomes (eidos) que se nos aguardam ao pesarmos nossos desejos e nossas íntimas esperas. O Poeta, com vistas à plenitude, divide o livro em quatro partes distintas e complementares (Poemas para Ver, Cotidianos, O Traço Vazio, As Quadras Dela), anunciando uma totalidade de formas, as quais nos remetem ao criador da palavra-mistério do Nome que Cria: o poeta é o daimon, o mensageiro entre o Alto, do Belo pleno, e os homens. Os poemas vão do amor-esperado ao Amor (em-si, ele-mesmo:

“Sou o que vejo no espelho,/ou o espelho me vê?/no que sou?”)

correspondido à expectativa íntima da formação do Mundo, como aquela máquina (referida por tantos poetas, como Camões) misteriosa que nos rege e nos ergue. Um desejo de entrega e de desvelar o Mistério.
Mas este livro consegue ir mais além dos horizontes da poesia que nos é apresentada pelas academias e pelos poetas “profissionais”. É um fazer no sentido pleno: a busca da palavra justa (le mote juste de Flaubert) que se entrega e integra à essência da criação. Este Cantabile é o Cântico da entrega do poeta em suas (nossas) expectativas várias. Sejamos, nós, leitores, os amantes amantíssimos que jogam, sobre o tabuleiro, peça a peça, os movimentos da conquista, como em Jogo de Xadrez:

“A dama, de branco trajada,
Tem a vantagem do lance.
Jogo de xadrez!”


ou sejamos, ainda além, estes seres preocupados, intensamente, com o cotidiano que se nos apresenta prenhe de sentidos:

“Segue tua estrada,
Homem solitário!
Segue teu silêncio
Composto de azos e cinzas.
O céu já desvanece ao teu redor.
Não há mais a sarça
(E ainda assim te ardes).”


Mais: se temos de ser — sejamos mais e além: a busca intensa do encontro com nossa essência (“Voa... Voa-me teus escuros,/Macios, suaves, queridos lugares./Seduza-me vento, asas e sol”). Enfim: a Palavra Criadora é uma só — a entrega do poeta ao Ser, o ente que se vê e vê ao mundo como algo além de si, além da revelação terrena:

“Abstrair da palavra
A lavra silábica falada;
Plantar o verbo em hortas.
Mas não tocai o cio do solo.”


Cantabile é o cantar pleno da palavra. Assim como o Poeta, o fazedor, no dizer de Borges, é o aedo que une (re/une?) todo o Belo na forma do dizer a plenitude:

“Todo Verbo das tardes falavam outonais:
maciez dos sabores, botões das orquídeas,
matiz das peles: tez tênue, casta nudez.
Cultos solenes — Hinário dos sopros.”


A plenitude da Vida – e a vida é a palavra que crê e cria: Crê em Calíope, que nos prende; Cria, como no princípio do Verbo.

*Fabio Ulanin é mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP. Professor universitário, poeta, autor dos livros Animaquia (1997) e Kether (1999); teve poemas publicados em antologias na Itália e na Suíça, além de artigos sobre literatura no Brasil e em Portugal. Seu próximo livro de poesias, Bemidbar, encontra-se no prelo.

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